terça-feira, 24 de agosto de 2010

Narrativas televisivas - Programas populares na TV



Os programas O povo na TV, O homem do sapato branco e o telejornal Aqui Agora fizeram história e abriram espaço na televisão para o ‘homem do povo’. Novos programas com esse apelo surgiram. Na grade de programação de várias emissoras, programas populares são encarados como os responsáveis pela baixa qualidade televisiva brasileira, ao mesmo tempo em que ostentam altos níveis de audiência. É sobre os programas populares da televisão e a interação estabelecida entre os participantes e a estrutura desses programas que versam os textos deste livro. O objetivo é compreender a relação entre a mídia e as classes populares, a maneira como essas pessoas lidam, se comportam, apropriam e são apropriadas pela presença da mídia em sua realidade cotidiana, bem como lançar luzes para a compreensão da natureza desses programas, as razões e implicações de seu surgimento, e seus significados no contexto da relação entre o povo e a televisão.



Quem assiste TV? O veículo de comunicação mais poderoso que existe tem hoje uma concepção tão plural que torna-se impossível realizar uma análise global sobre ele, correndo-se sempre o risco de ser algo superficial. No livro “Narrativas Televisivas – programas populares na TV”, da coleção “Narrativas do Cotidiano”, a autora Vera França apresenta seus argumentos sobre esse recorte de estudo e compila pesquisas feitas por outros autores, sobre alguns programas populares na TV aberta. Vera França é doutora em Ciências Sociais, pesquisadora do CNPq e do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade, da UFMG e professora do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais.



A obra não condena a existência dos programas populares e nem justifica sua realização. Parece considerar o fato como natural, assim como tudo na TV que, preocupada apenas com o interesse de mercado e de seus consumidores, oferece, baseada em pesquisas, aquilo que possa agradar a um número maior de pessoas. As críticas são às formas como tais programas são conduzidos. As análises procuram observar o formato dos programas e a participação das pessoas neles. As celebridades que aparecem na mídia foram classificadas por Edgar Morin, na obra “Cultura de Massa no Século XX”, como olimpianos, uma referência aos deuses gregos que habitavam o Olimpo. Isso porque eles são onipresentes, estão sempre em todos os lugares, levados pela mídia. São imortais porque estão gravados para sempre em suas obras e são infalíveis porque a sociedade lhes projeta uma aura de superioridade sobre os mortais comuns.

Surgiu então o “povo na TV”, inicialmente um programa com esse nome, nos anos setenta e depois como um conceito de programa ressuscitado pelo extinto Aqui Agora e acompanhado por programas como Cidade Alerta, Brasil Urgente e num outro estilo, mas como a mesma idéia, por Ratinho, Márcia, Gugu ou Faustão. Assim, passaram a aparecer na mídia pessoas que não são olimpianos e nem se tornam após o aparecimento. Estão ali esporadicamente, em seus 15 minutos de fama. Essas pessoas são levadas à TV para representarem papéis e nas análises feitas no programa Márcia e no Domingão do Faustão foram observados alguns momentos de dissonância, quando os participantes, como a se rebelarem, fugiram desses papéis.



O homem que era chamado de herói por ter salvado muitas pessoas se mostra ressentido pelo não reconhecimento até então, e não como o mito do herói altruísta. A mãe que vendeu seu bebê foge ao papel construído, de mulher insensível, para vítima social, porque se justifica pelo que fez como ato de desespero econômico. Da mesma forma, algumas pessoas apresentadas não podem ser encaradas como vítimas dos programas. Não foram iludidas a participar, seria uma interpretação preconceituosa de que, por serem pobres, esses indivíduos também são ingênuos. Eles sabem que passarão por vexame, mas esperam tirar algum proveito disso.

Ou ajuda financeira, promoção pessoal, solução para seus problemas. Um dos homens, que aceita passar pelo teste de paternidade, nos famosos quadros de DNA do programa do Ratinho, aproveita o espaço para promoção pessoal. Ele é cantor. Outro homem, chamado de “namorado da garrafa”, porque ficou com o pênis preso a uma garrafa na qual se masturbava, foi apresentado como um degenerado sexual. Quando, num segundo programa ele aparece no palco, só sua presença e a narração de sua história de vida como homem sofrido, desempregado, pai de família, desconstrói a imagem formada antes, não permitindo nem que se façam outras piadas a seu respeito.

Ele está ali com dignidade, para pedir desculpas à esposa. Não é um ser ignóbil. É um homem comum, vítima das circunstâncias e que, silenciosamente, mostra que a mídia sim deveria se envergonhar por expô-lo daquela maneira. Vera França encerra a obra avaliando os programas populares como retratos de uma realidade que queremos esconder até de nós mesmos. Ela diz que não quer atenuar suas críticas a esse tipo de postura televisiva, mas é o que termina fazendo, ao dizer que os programas populares se contrapõem a TV asséptica e glamourizada que apresenta um mundo irreal, mas um mundo que gostamos de ver. A realidade mostrada pelos programas populares traz um mundo que incomoda porque mostra a dor do outro.



Realmente é preciso denunciar as mazelas sociais. É preciso que toda a sociedade saiba que enquanto a elite está em suas casas confortáveis, há milhares DE pessoas morando nas ruas ou em habitações sub-humanas. Enquanto os jovens ricos se divertem usando drogas, outros milhares são mortos na guerra entre o tráfico e a polícia. Mas é preciso que essa denúncia não cause a essas pessoas uma dupla dor. Que os pobres não apareçam na TV apenas para serem ridicularizados. Que o preço para a solução de seus problemas não seja o escárnio público. A fama pode durar só quinze minutos, mas a dor da vergonha, dura por muito tempo.





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